NAFAD – NÚCLEO DE AVALIAÇÃO FUNCIONAL DO APARELHO DIGESTIVO
ARTIGO COMENTADO
Comentarista: Dra. Renata Hagge de Oliveira – CRM BA 20667
Gastroenterologista
Membro do Núcleo de Avaliação Funcional do Aparelho Digestivo (NAFAD)
Review
Food Allergy and Intolerance: A Narrative Review on Nutritional Concerns
Gargano, D. et al. Nutrients 2021, 13, 1638.
As reações adversas aos alimentos incluem as alergias alimentares (imunomediadas) e as intolerâncias alimentares (não imunomediadas). Esta revisão destaca as características fisiopatológicas e clínicas de tais condições, além de propor estratégias diagnósticas e terapêuticas.
As alergias alimentares são classificadas em três grandes grupos:
1. Mediada por IgE
2. Mista (mediada por IgE e células)
3. Não mediada por IgE
· Alergia alimentar mediada por IgE
Caracterizada por seu início rápido, com sinais e sintomas que variam desde manifestações mucocutâneas até anafilaxia. Nesse subgrupo, destacam-se a síndrome alérgica oral, hipersensibilidade gastrointestinal imediata, urticária, rinite alérgica, asma brônquica. Entre os gatilhos alimentares mais comuns estão: amendoim/nozes, leite, ovo, frutos do mar, trigo e soja. Na avaliação clínica, deve-se correlacionar o quadro apresentado após a exposição do potencial alimento suspeito, as circunstâncias que favorecem o surgimento das manifestações clínicas (exercício, uso de medicamentos, ingestão de álcool) e comorbidades associadas (doenças atópicas). As ferramentas diagnósticas incluem testes cutâneos, dieta de eliminação, teste de provocação oral e determinação sérica de IgE para proteínas específicas. O manejo clínico inclui intervenções de curto prazo para reações agudas (epinefrina, anti-histamínicos e corticóides) e estratégias terapêuticas de longo prazo (dieta e imunoterapia com alérgenos).
· Alergia alimentar mista (mediada por IgE e por células)
Esse subtipo apresenta uma patogênese complexa que envolve mecanismos mediados por IgE e por células T. Nesse subgrupo, destacam-se as doenças gastrointestinais eosinofílicas (esofagite eosinofílica, gastrite eosinofílica, gastroenterite eosinofílica e colite eosinofílica). Os pacientes apresentam manifestações clínicas variáveis, dependendo do local acometido e do grau de inflamação. O diagnóstico dessas condições é baseado na avaliação endoscópica e identificação histológica do infiltrado eosinofílico no trato gastrointestinal. Apenas 50% dos pacientes apresentam eosinofilia periférica. O manejo terapêutico envolve a abordagem nutricional (dieta empírica de eliminação de seis alimentos - laticínios, trigo, ovo, soja, nozes e frutos do mar) e medicamentosa (dentre eles, inibidores da bomba de prótons em altas doses, corticóides, biológicos).
· Alergia alimentar não mediada por IgE (mediada por células)
Nesse subgrupo, destacam-se a doença celíaca e a alergia à proteína do leite de vaca. Na doença celíaca, as ferramentas diagnósticas utilizadas são a dosagem sérica dos anticorpos, com destaque para o antitransglutaminase tecidual e a avaliação histológica duodenal. O manejo terapêutico baseia-se na exclusão dietética do glúten. Já em relação a alergia à proteína do leite de vaca, o diagnóstico baseia-se no quadro clínico e o manejo envolve a exclusão do leite de vaca da dieta, utilizando alternativamente a fórmula de leite de vaca extensamente hidrolisada ou a fórmula à base de aminoácidos.
As reações adversas aos alimentos não imunomediadas são também definidas como hipersensibilidade alimentar não alérgica. Nos últimos anos, o termo “intolerância” tem sido frequentemente utilizado para definir uma ampla gama de distúrbios relacionados à ingestão de diferentes alimentos. Os autores defendem a revisão dessa terminologia para situar o complexo mosaico dessas desordens na definição clínica mais correta de “reações adversas aos alimentos não imunomediadas” e não apenas intolerância.
As reações adversas aos alimentos não imunomediadas são classificadas em dois grupos: hospedeiro-independente e hospedeiro-dependente.
· Reações adversas aos alimentos não imunomediadas - hospedeiro - independente
· Diversas substâncias químicas com potencial atividade farmacológica estão presentes nos alimentos, geralmente adicionadas para preservá-los e melhorar seu sabor ou aparência. Elas podem ser substâncias químicas alimentares naturais, como aminas vasoativas (por exemplo, histamina) e salicilatos, ou aditivos alimentares, como glutamatos (presente em molhos e condimentos prontos, salgadinhos industrializados) e sulfitos (presentes no vinho branco e nos frutos secos). Em alguns casos, as reações adversas não imunomediadas podem mimetizar reações típicas de uma resposta imunológica. No entanto, ao contrário da alergia alimentar, há um atraso no início dos sintomas e sorologia IgE negativa. O quadro clinico abrange desde manifestações gastrointestinais até sintomas neurológicos, cardiovasculares, pulmonares e dermatológicos. O manejo terapêutico baseia-se na exclusão dietética e suplementação enzimática (cápsulas DAO, no caso da intolerância à histamina).
· Reações adversas aos alimentos não imunomediadas - hospedeiro – dependente
Nessa categoria, destacam-se as intolerâncias enzimáticas/metabólicas, dentre elas a intolerância a lactose e frutose. O quadro clinico das intolerâncias alimentares envolve sintomas gastrointestinais como distensão abdominal, flatulência, dor abdominal e diarreia desencadeada após a ingestão desses alimentos. Dentre as ferramentas diagnósticas, salienta-se o teste respiratório do hidrogênio expirado. O manejo terapêutico baseia-se na exclusão dietética e suplementação enzimática (lactase, no caso da intolerância à lactose).
Os autores concluem que uma avaliação diagnóstica correta e uma abordagem dietética racional que inclui evitar apenas alimentos específicos e potenciais podem minimizar o impacto nutricional e emocional nesses pacientes, ajudando a melhorar sua qualidade de vida e reduzir os custos econômicos de seu manejo.
Referências extraídas do artigo:
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