NAFAD – NÚCLEO DE AVALIAÇÃO FUNCIONAL DO APARELHO DIGESTIVO
ARTIGO COMENTADO
Comentarista:
Dra. Heltia Duarte de Sena Pinto
CRM CE 8318
- Gastroenterologista com área de atuação em Endoscopia Digestiva
- Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG)
- Médica assistente do Serviço de Endoscopia e preceptora da Residência Médica do Hospital Universitário Walter Cantídio – Universidade Federal do Ceará
- Membro do Núcleo de Avaliação Funcional do Aparelho Digestivo (NAFAD)
ARTIGO EM DESTAQUE
Review
Non-Celiac Gluten Sensitivity: An Update
Citação:
Cárdenas-Torres, F.I.; Cabrera-Chávez, F.; Figueroa-Salcido, O.G.; Ontiveros, N.
Non-Celiac Gluten Sensitivity: An Update. Medicina 2021, 57, 526.
https:// doi.org/10.3390/medicina57060526
COMENTÁRIO
A Sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC) é uma doença que faz parte de um grupo de desordens conhecido como Desordens relacionadas ao glúten, que inclui a Doença Celíaca e a Alergia ao Trigo.
Por definição:
ü Doença celíaca é uma enteropatia com características autoimunes desencadeada por alimentos que contem glúten em indivíduos susceptíveis que carreiam haplótipos HLA DQ2 e/ou HLA DQ8.
ü Alergia ao trigo é caracterizada pela produção de anticorpos tipo IgE contra as proteínas do trigo, com sintomas iniciando imediatamente após a ingestão de alimentos contendo trigo.
ü A Sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC) é caracterizada por sintomas intestinais e/ou extraintestinais desencadeados após o consumo de produtos feitos com cereais contendo glúten em pessoas que não são portadoras de doença celíaca ou alergia ao trigo.
EPIDEMIOLOGIA:
A prevalência permanece incerta. Estima-se taxas de prevalência entre 0,49% a 14,9%, visto em pesquisas baseadas nos sintomas relatados em pacientes sem doença celíaca ou alergia ao trigo.
No Brasil, o estudo de Arámburo-Gálvez et al (Medicina 2020) aponta uma prevalência de 1,71%.
Apesar das taxas serem maiores que as observadas para doença celíaca ou alergia ao trigo, há limitações nos levamentos dos números da prevalência devido à falta de padronização dos questionários aplicados e de definição da população alvo para a coleta dos dados.
QUADRO CLÍNICO:
Em relação ao quadro clínico, as manifestações intestinais são mais frequentes que as extraintestinais.
Os sintomas intestinais mais comuns são sensação de distensão abdominal (bloating), dor abdominal, diarreia, náuseas e refluxo.
Já o quadro extraintestinal é bem mais amplo e inclui cefaleia, adinamia, mal-estar, fibromialgia, dermatites, artralgia e depressão.
Em geral, os sintomas surgem horas a dias após o consumo do alimento contendo o componente gatilho da SGNC.
Aparentemente, a SGNC é mais comum em mulheres jovens, pessoas com história prévia de doenças autoimunes ou desordens funcionais gastrointestinais e em quem tem parentes de primeiro grau com doença celíaca. Contudo, são necessários mais estudos para estabelecer melhor esses possíveis fatores predisponentes.
FISIOPATOLOGIA:
Quanto à fisiopatologia, esta permanece desconhecida. No entanto, há dados que mostram o envolvimento predominantemente do sistema imune inato, assim como do sistema imune adaptativo.
ü Para o envolvimento do sistema imune inato, observa-se aumento de células toll like receptor tipo 2, interleucina 10, TGFα, GM-CSF e células CD4+.
ü O envolvimento do sistema imune adaptativo mostra-se com aumento de anticorpo antigliadina do tipo IgG em pelo menos 50% dos pacientes.
Em biópsias de duodeno e reto, pode-se observar aumento de eosinófilos e elevação discreta de linfócitos intraepiteliais, sem alteração na arquitetura das vilosidades. Em algumas amostras, foi visto aumento dos mastócitos, que parece estar mais relacionado à dor abdominal e bloating.
Há estudos que mostram que a disfunção da barreira intestinal e a disbiose têm sido relatadas na patogênese da SGNC, o que pode indicar algum benefício no uso de probióticos para estes pacientes.
Vale observar que não somente o glúten pode desencadear a SGNC. Os principais componentes, isolados ou combinados, suspeitos no surgimento dos sintomas são:
- Glúten (principal);
- ATIs : proteínas de baixo peso molecular que são altamente resistente às proteases gastrointestinais e que são encontradas no endospermas das sementes e grãos;
- FODMAPs : grupo de carboidratos que inclui frutose, lactose, glucose, polióis, frutanos e oligossacarídeos.
Não se sabe qual o grau que cada componente pode influenciar e desencadear a SGNC e também no surgimento de outras desordens gastrointestinais que pode vir associadas, como a síndrome do intestino irritável e a dispepsia funcional.
DIAGNÓSTICO:
Infelizmente, não há biomarcadores sensíveis e específicos para o diagnóstico da SGNC. Ainda se baseia na exclusão da doença celíaca e da alergia ao trigo.
Estudos mostram sugestões de alguns testes clínicos e laboratoriais na tentativa de buscar um padrão para o diagnóstico como:
ü Avaliação clínica após 6 semanas com dieta livre de glúten seguida de um desafio do glúten
ü Avaliação de eosinófilos, células T CD3+ intra-epiteliais, mastócitos em biópsias de duodeno
ü Dosagem de anticorpos séricos e algumas citocinas
No entanto, estes testes não se mostraram específicos e, no caso do desafio do glúten, falta padronização na quantidade de glúten e o período do teste e poucos pacientes aderem a ele.
Além disso, cerca de 50% dos indivíduos com SGNC pode apresentar HLA DQ2 / DQ 8 (na doença celíaca são >95%) e achados Marsh 0 ou I em amostras duodenais.
O que se observam em exames e que podem ajudar no diagnóstico da SGNC são:
ü Ausência de antitransglutaminase (anti-TTG) IgA e de anticorpo anti proteína do trigo do tipo IgE
ü Anticorpo antigliadina IgG positivo (em 50% dos pacientes)
TRATAMENTO:
A base do tratamento é a adoção de uma dieta livre de glúten. Em alguns pacientes, a resposta clínica vem quando também associa uma dieta pobre em FODMAPs.
Esta dieta deve ser orientada e acompanhada por profissionais de saúde (médico e nutricionista), pois as restrições tendem a uma dieta rica em gorduras saturadas, lipídios e açúcares e pobre em fibras e micronutrientes como ferro, folato, zinco e outros.
Alguns autores sugerem a reintrodução do glúten após 1-2 anos de dieta livre de glúten, com determinação individualizada da dose tolerada.
A reintrodução de alimentos ricos em FODMAPs pode ser considerada após 4-6 semanas de restrição destes carboidratos.
CONCLUSÃO:
Os autores enfatizam a necessidade de mais estudos na busca de uma padronização no diagnóstico, em melhor esclarecimento da fisiopatologia e na elucidação do papel específico da dieta no desencadeamento da SGNC e sua relação com o sistema imune.
Referências extraídas do artigo:
1. Lebwohl, B.; Sanders, D.S.; Green, P.H.R. Coeliac Disease. Lancet 2018, 391, 70–81.
2. Cianferoni, A. Wheat Allergy: Diagnosis and Management. J. Asthma Allergy 2016, 9, 13.
3. Catassi, C.; Elli, L.; Bonaz, B.; Bouma, G.; Carroccio, A.; Castillejo, G.; Cellier, C.; Cristofori, F.; De Magistris, L.; Dolinsek, J.; et al. Diagnosis of Non-Celiac Gluten Sensitivity (NCGS): The Salerno Experts’ Criteria. Nutrients 2015, 7, 4966–4977.
4. Van Gils, T.; Nijeboer, P.; IJssennagger, C.; Sanders, D.; Mulder, C.; Bouma, G. Prevalence and Characterization of Self-Reported Gluten Sensitivity in The Netherlands. Nutrients 2016, 8, 714
5. Arámburo-Gálvez, J.G.; Beltrán-Cárdenas, C.E.; Geralda André, T.; Carvalho Gomes, I.; Macêdo-Callou, M.A.; Braga-Rocha, É.M.; Mye-Takamatu-Watanabe, E.A.; Rahmeier-Fietz, V.; Figueroa-Salcido, O.G.; Vergara-Jiménez, M.d.J.; et al. Prevalence of Adverse Reactions to Glutenand People Going on a Gluten-Free Diet:A Survey Study Conducted in Brazil. Medicina 2020, 56, 163
6. Gadelha de Mattos, Y.; Puppin Zandonadi, R.; Gandolfi, L.; Pratesi, R.; Yoshio Nakano, E.; Pratesi, C. Self-Reported Non-Celiac Gluten Sensitivity in Brazil: Translation, Cultural Adaptation, and Validation of Italian Questionnaire. Nutrients 2019, 11, 78.
7. Roszkowska, A.; Pawlicka, M.; Mroczek, A.; Bałabuszek, K.; Nieradko-Iwanicka, B. Non-Celiac Gluten Sensitivity: A Review. Medicina 2019, 55, 222.
8. Losurdo, G.; Principi, M.; Iannone, A.; Amoruso, A.; Ierardi, E.; Leo, A.D.; Barone, M. Extra-Intestinal Manifestations of Non-Celiac Gluten Sensitivity: An Expanding Paradigm. World J. Gastroenterol. 2018, 24, 1521–1530
9. Shahbazkhani, B.; Fanaeian, M.M.; Farahvash, M.J.; Aletaha, N.; Alborzi, F.; Elli, L.; Shahbazkhani, A.; Zebardast, J.; RostamiNejad, M. Prevalence of Non-Celiac Gluten Sensitivity in Patients with Refractory Functional Dyspepsia: A Randomized Double-Blind Placebo Controlled Trial. Sci. Rep. 2020, 10, 2401.
10.. Infantino, M.; Meacci, F.; Grossi, V.; Macchia, D.; Manfredi, M. Anti-Gliadin Antibodies in Non-Celiac Gluten Sensitivity. Minerva Gastroenterol. Dietol. 2016, 63, 1–4.
11.Volta, U.; De Giorgio, R.; Caio, G.; Uhde, M.; Manfredini, R.; Alaedini, A. Nonceliac Wheat Sensitivity: An Immune-Mediated Condition with Systemic Manifestations. Gastroenterol. Clin. 2019, 48, 165–182.
12.Mumolo, M.G.; Rettura, F.; Melissari, S.; Costa, F.; Ricchiuti, A.; Ceccarelli, L.; de Bortoli, N.; Marchi, S.; Bellini, M. Is Gluten the Only Culprit for Non-Celiac Gluten/Wheat Sensitivity? Nutrients 2020, 12, 3785.
13.Dieterich, W.; Schuppan, D.; Schink, M.; Schwappacher, R.; Wirtz, S.; Agaimy, A.; Neurath, M.F.; Zopf, Y. Influence of Low FODMAP and Gluten-Free Diets on Disease Activity and Intestinal Microbiota in Patients with Non-Celiac Gluten Sensitivity. Clin. Nutr. 2019, 38, 697–707.
14.Khan, A.; Suarez, M.G.; Murray, J.A. Nonceliac Gluten and Wheat Sensitivity. Clin. Gastroenterol. Hepatol. 2020, 18, 1913–1922.e1
15.Naik, R.D.; Seidner, D.L.; Adams, D.W. Nutritional Consideration in Celiac Disease and Nonceliac Gluten Sensitivity. Gastroenterol. Clin. North Am. 2018, 47, 139–154.
Comentarios