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Sensibilidade ao glúten não-celíaca: um update.

Atualizado: 18 de jul. de 2023


NAFAD – NÚCLEO DE AVALIAÇÃO FUNCIONAL DO APARELHO DIGESTIVO


ARTIGO COMENTADO


Comentarista:

Dra. Heltia Duarte de Sena Pinto

CRM CE 8318


- Gastroenterologista com área de atuação em Endoscopia Digestiva

- Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG)

- Médica assistente do Serviço de Endoscopia e preceptora da Residência Médica do Hospital Universitário Walter Cantídio – Universidade Federal do Ceará

- Membro do Núcleo de Avaliação Funcional do Aparelho Digestivo (NAFAD)


ARTIGO EM DESTAQUE


Review

Non-Celiac Gluten Sensitivity: An Update


Citação:

Cárdenas-Torres, F.I.; Cabrera-Chávez, F.; Figueroa-Salcido, O.G.; Ontiveros, N.

Non-Celiac Gluten Sensitivity: An Update. Medicina 2021, 57, 526.

https:// doi.org/10.3390/medicina57060526


COMENTÁRIO


A Sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC) é uma doença que faz parte de um grupo de desordens conhecido como Desordens relacionadas ao glúten, que inclui a Doença Celíaca e a Alergia ao Trigo.

Por definição:

ü Doença celíaca é uma enteropatia com características autoimunes desencadeada por alimentos que contem glúten em indivíduos susceptíveis que carreiam haplótipos HLA DQ2 e/ou HLA DQ8.

ü Alergia ao trigo é caracterizada pela produção de anticorpos tipo IgE contra as proteínas do trigo, com sintomas iniciando imediatamente após a ingestão de alimentos contendo trigo.

ü A Sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC) é caracterizada por sintomas intestinais e/ou extraintestinais desencadeados após o consumo de produtos feitos com cereais contendo glúten em pessoas que não são portadoras de doença celíaca ou alergia ao trigo.


EPIDEMIOLOGIA:

A prevalência permanece incerta. Estima-se taxas de prevalência entre 0,49% a 14,9%, visto em pesquisas baseadas nos sintomas relatados em pacientes sem doença celíaca ou alergia ao trigo.

No Brasil, o estudo de Arámburo-Gálvez et al (Medicina 2020) aponta uma prevalência de 1,71%.

Apesar das taxas serem maiores que as observadas para doença celíaca ou alergia ao trigo, há limitações nos levamentos dos números da prevalência devido à falta de padronização dos questionários aplicados e de definição da população alvo para a coleta dos dados.


QUADRO CLÍNICO:

Em relação ao quadro clínico, as manifestações intestinais são mais frequentes que as extraintestinais.

Os sintomas intestinais mais comuns são sensação de distensão abdominal (bloating), dor abdominal, diarreia, náuseas e refluxo.

Já o quadro extraintestinal é bem mais amplo e inclui cefaleia, adinamia, mal-estar, fibromialgia, dermatites, artralgia e depressão.

Em geral, os sintomas surgem horas a dias após o consumo do alimento contendo o componente gatilho da SGNC.

Aparentemente, a SGNC é mais comum em mulheres jovens, pessoas com história prévia de doenças autoimunes ou desordens funcionais gastrointestinais e em quem tem parentes de primeiro grau com doença celíaca. Contudo, são necessários mais estudos para estabelecer melhor esses possíveis fatores predisponentes.


FISIOPATOLOGIA:

Quanto à fisiopatologia, esta permanece desconhecida. No entanto, há dados que mostram o envolvimento predominantemente do sistema imune inato, assim como do sistema imune adaptativo.

ü Para o envolvimento do sistema imune inato, observa-se aumento de células toll like receptor tipo 2, interleucina 10, TGFα, GM-CSF e células CD4+.

ü O envolvimento do sistema imune adaptativo mostra-se com aumento de anticorpo antigliadina do tipo IgG em pelo menos 50% dos pacientes.

Em biópsias de duodeno e reto, pode-se observar aumento de eosinófilos e elevação discreta de linfócitos intraepiteliais, sem alteração na arquitetura das vilosidades. Em algumas amostras, foi visto aumento dos mastócitos, que parece estar mais relacionado à dor abdominal e bloating.

Há estudos que mostram que a disfunção da barreira intestinal e a disbiose têm sido relatadas na patogênese da SGNC, o que pode indicar algum benefício no uso de probióticos para estes pacientes.

Vale observar que não somente o glúten pode desencadear a SGNC. Os principais componentes, isolados ou combinados, suspeitos no surgimento dos sintomas são:

- Glúten (principal);

- ATIs : proteínas de baixo peso molecular que são altamente resistente às proteases gastrointestinais e que são encontradas no endospermas das sementes e grãos;

- FODMAPs : grupo de carboidratos que inclui frutose, lactose, glucose, polióis, frutanos e oligossacarídeos.

Não se sabe qual o grau que cada componente pode influenciar e desencadear a SGNC e também no surgimento de outras desordens gastrointestinais que pode vir associadas, como a síndrome do intestino irritável e a dispepsia funcional.


DIAGNÓSTICO:

Infelizmente, não há biomarcadores sensíveis e específicos para o diagnóstico da SGNC. Ainda se baseia na exclusão da doença celíaca e da alergia ao trigo.

Estudos mostram sugestões de alguns testes clínicos e laboratoriais na tentativa de buscar um padrão para o diagnóstico como:

ü Avaliação clínica após 6 semanas com dieta livre de glúten seguida de um desafio do glúten

ü Avaliação de eosinófilos, células T CD3+ intra-epiteliais, mastócitos em biópsias de duodeno

ü Dosagem de anticorpos séricos e algumas citocinas

No entanto, estes testes não se mostraram específicos e, no caso do desafio do glúten, falta padronização na quantidade de glúten e o período do teste e poucos pacientes aderem a ele.

Além disso, cerca de 50% dos indivíduos com SGNC pode apresentar HLA DQ2 / DQ 8 (na doença celíaca são >95%) e achados Marsh 0 ou I em amostras duodenais.

O que se observam em exames e que podem ajudar no diagnóstico da SGNC são:

ü Ausência de antitransglutaminase (anti-TTG) IgA e de anticorpo anti proteína do trigo do tipo IgE

ü Anticorpo antigliadina IgG positivo (em 50% dos pacientes)


TRATAMENTO:

A base do tratamento é a adoção de uma dieta livre de glúten. Em alguns pacientes, a resposta clínica vem quando também associa uma dieta pobre em FODMAPs.

Esta dieta deve ser orientada e acompanhada por profissionais de saúde (médico e nutricionista), pois as restrições tendem a uma dieta rica em gorduras saturadas, lipídios e açúcares e pobre em fibras e micronutrientes como ferro, folato, zinco e outros.

Alguns autores sugerem a reintrodução do glúten após 1-2 anos de dieta livre de glúten, com determinação individualizada da dose tolerada.

A reintrodução de alimentos ricos em FODMAPs pode ser considerada após 4-6 semanas de restrição destes carboidratos.


CONCLUSÃO:

Os autores enfatizam a necessidade de mais estudos na busca de uma padronização no diagnóstico, em melhor esclarecimento da fisiopatologia e na elucidação do papel específico da dieta no desencadeamento da SGNC e sua relação com o sistema imune.


Referências extraídas do artigo:

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